quinta-feira, 13 de setembro de 2012

É PARA LÁ QUE EU VOU






Para além da orelha existe um som, à extremidade do olhar um aspecto, às pontas dos dedos um objeto - é para lá que eu vou.
À ponta do lápis o traço.
Onde expira um pensamento está uma idéia, ao derradeiro hálito de alegria uma outra alegria, à ponta da espada a magia - é para lá que eu vou.
Na ponta dos pés o salto.
Parece a história de alguém que foi e não voltou - é para lá que eu vou.
Ou não vou? 
Vou, sim. 
E volto para ver como estão as coisas. 
Se continuam mágicas. 
Realidade? 
Eu vos espero. 
É para lá que eu vou.
Na ponta da palavra está a palavra. 
Quero usar a palavra "tertúlia" e não sei aonde e quando. 
À beira da tertúlia está a família. 
À beira da família estou eu. 
À beira de eu estou mim. 
É para mim que eu vou. 
E de mim saio para ver. 
Ver o quê? 
Ver o que existe. 
Depois de morta é para a realidade que vou. 
Por enquanto é sonho. 
Sonho fatídico. 
Mas depois - depois tudo é real. 
E a alma livre procura um canto para se acomodar. 
Mim é um eu que anuncio.
Não sei sobre o que estou falando. 
Estou falando de nada. 
Eu sou nada. 
Depois de morta engrandecerei e me espalharei, e alguém dirá com amor meu nome.
É para o meu pobre nome que vou.
E de lá volto para chamar o nome do ser amado e dos filhos. 
Eles me responderão. 
Enfim terei uma resposta. 
Que resposta?
A do amor. 
Amor: 
Eu vos amo tanto. 
Eu amo o amor. 
O amor é vermelho. 
O ciúme é verde. 
Meus olhos são verdes. 
Mas são verdes tão escuros que na fotografia saem negros. 
Meu segredo é ter os olhos verdes e ninguém saber.
À extremidade de mim estou eu. 
Eu, implorante, eu a que necessita, a que pede, a que chora, a que se lamenta. 
Mas a que canta.
A que diz palavras. 
Palavras ao vento? 
Que importa, os ventos as trazem de novo e eu as possuo.
Eu à beira do vento. 
O morro dos ventos uivantes me chama. 
Vou, bruxa que sou. 
E me transmuto.
Oh, cachorro, cadê tua alma? 
Está à beira de teu corpo? 
Eu estou à beira de meu corpo. 
E feneço lentamente.
Que estou eu a dizer? 
Estou dizendo amor. 
E à beira do amor estamos nós.





(Clarice Lispector).

Um comentário:

  1. BOM DIA INTEIRO DE QUINTA-FEIRA E MUITAS REALIZAÇÕES COM: É PARA LÁ QUE EU VOU!!!

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