quinta-feira, 25 de outubro de 2012

TEMPO DO VIVER






O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência.
Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui. 
Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. 
Se só me faltassem os outros, vá.
Um ser humano consola-se mais ou menos das pessoas que perde.
Mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo. 
O que aqui está é, mal comparando, semelhante à pintura que se põe na barba e nos cabelos, e que apenas conserva o hábito externo, como se diz nas autópsias; o interno não aguenta tinta. 
Uma certidão que me desse vinte anos de idade poderia enganar os estranhos, como todos os documentos falsos, mas não a mim. 
Os amigos que me restam são de data recente.
Todos os antigos foram estudar a geologia dos campos-santos. 
Quanto às amigas, algumas datam de quinze anos, outras de menos, e quase todas creem na mocidade. 
Duas ou três fariam crer nela aos outros, mas a língua que falam obriga muita vez a consultar os dicionários, e tal frequência é cansativa.
Entretanto, vida diferente não quer dizer vida pior:
É outra coisa. 
A certos respeitos, aquela vida antiga aparece-me despida de muitos encantos que lhe achei.
Mas é também exato que perdeu muito espinho que a fez molesta, e, de memória, conservo alguma recordação doce e feiticeira. 
Em verdade, pouco apareço e menos falo. 
Distrações raras. 
O mais do tempo é gasto em hortar, jardinar e ler.
Como bem e não durmo mal.





(Machado de Assis).

Um comentário:

  1. BOM DIA INTEIRO DE QUINTA-FEIRA E MUITAS REALIZAÇÕES COM: TEMPO DO VIVER!!!

    ResponderExcluir