domingo, 29 de abril de 2012

CAVALO PRETO






Existe um ser que mora dentro de mim como se fosse a cada dele, e é.
Trata-se de um cavalo preto e lustroso que apesar de inteiramente selvagem - pois nunca morou antes em ninguém nem jamais lhe puseram rédeas nem sela.
Apesar de inteiramente selvagem tem por isso mesmo uma doçura primeira de quem não tem medo:
Come às vezes na minha mão.
Seu focinho é úmido e fresco.
Eu beijo o seu focinho.
Quando eu morrer, o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito, a menos que ele escolha outra casa e que esta outra casa não tenha medo daquilo que é ao mesmo tempo selvagem e suave.
Aviso que ele não tem nome: 
Basta chamá-lo e se acerta com seu nome.
Ou não se acerta, mas, uma vez chamado com doçura e autoridade, ele vai.
Se ele fareja e sente um corpo-casa é livre, ele trota sem ruídos e ai aviso também que não se deve temer seu relinchar.
A gente se engana e pensa que é a gente mesma que está relinchando de prazer ou de cólera.
A gente se assusta com o excesso de doçura do que é isto pela primeira vez.




(Clarice Lispector).

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